aboreira scriptorium

É pretensão deste espaço, ser um depósito de ideias, tónica de pensamentos do seu autor, sobre a actualidade em geral e com especial incidência em várias Culturas, no Turismo, no Património e na Gastronomia, em Vila Nova de Poiares, na Região das Beiras/ Portugal e no Mundo. Pedro Carvalho Santos, pensou-o ... e o fez ...

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Localização: Vila Nova de Poiares, Coimbra, Portugal

Existo - creio no meu Deus.

segunda-feira, maio 08, 2006

pedaços de histórias das minhas raízes – I

Se houve zona no concelho de Vila Nova de Poiares onde existiram inúmeros negociantes de gado foi na zona da Risca Silva! Paredes meias com a Vila Sede de Concelho, o lugar da Risca Silva possuí ainda hoje alguns negociantes de gado e de comercio ligado a papel, sucatas, ferro velho, peças de reutilização, etc.
Marcada fortemente por uma estrada principal onde o comercio imperava, possuía inclusive algumas tabernas e lojas em particular no piso térreo dos edifícios, onde ainda se verifica em termos arquitectónicos, a existência de inúmeras portas comerciais. Uma delas foi propriedade do meu tio Antonino e ficava mesmo em frente à Quinta Nova.
Neste lugar existiram também, casas de lavoura de grande importância comercial, aí albergavam inúmeros animais em estábulos, como bois por exemplo, onde se pode destacar a família Mendonça que negociava desde o século XIX, “fazendo” feiras por todo o Distrito de Coimbra, realizando negócios de grande monta. Alguns destes proprietários, possuíam também família e negócios fora do concelho, passando menos tempo nestas casas dividindo-o também por outros afazeres, caso dos que tinham comercio em Coimbra, Porto e Lisboa.
Nesta terra da Risca Silva moraram os meus avós maternos, onde possuíam uma casa no “fundo da rua”! Era assim que o meu avô José Adelino gostava de apelida-la. Viveu a minha tia avó, Alice, assim como um tio avô, um tal Augusto “vinte ovelhas” que não tive oportunidade de conhecer. Este vivia na casa que era dos meus bisavós (que ainda existe), esta família era apelidada de “Bragueses”! Ainda hoje tenho primos desta família neste lugar. Por referencia oral (contos da minha mãe), sei que este meu tio avô calcorreava as Beiras, comprando e vendendo, ... mas não só este familiar era negociante de gado, porque outros haviam nesta família que negociavam até para áreas mais longínquas como o meu tio avô que casou com uma sobrinha do grande Escritor Almeida Garrett, isto porque negociava na cidade do Porto e ai se enamorou!
Na Risca Silva também viveram antepassados da família do meu pai. A família dos “Fogueteiros”! O meu tio bisavô Antonino, irmão do meu bisavô Alberto Carvalho dos Santos, que durante muitos anos esteve a trabalhar em Lisboa. Este regressou quando o irmão teve um acidente com a “mistura das polvoras (massas)” e faleceu.
Certa vez que estive a realizar um trabalho na Biblioteca da Vila da Lousã, pude observar uma notícia onde se falava desse acidente, mencionando o seu nome e profissão. Deste meu antepassado directo, meu bisavô, ainda vive com a graça de Deus uma filha que vai no caminho dos 100 anos, a minha tia Adelaide que mora um pouco mais acima deste lugar, na Segundeira.
Grande parte da minha família paterna encontrava-se ligada ao lugar da Risca Silva, Cabecinhos e Segundeira.
A casa do meu bisavô Alberto Carvalho dos Santos era no lugar dos Cabecinhos, lugar junto à Risca Silva. Ainda tive a oportunidade durante anos em poder visitar essa casa de família que muitas recordações me deixa. Característica das Beiras, de um só piso, com um enorme pátio interior onde tudo se realizava, numa panóplia de cores, lá pude observar como era a matança do porco, não como recriação cultural, mas sim como era efectivamente. Nessa casa, propriedade então dos meus tios avós, Fernando Dias e Helena Santos, pude observar durante anos o que hoje é comentado como característico beirão. O meu tio estava vezes sem conta sentado numa arca, numa marquise de madeira. O pão, as chouriças e chouriços, a carne assada, chanfana concerteza e tantos outros saberes vinham no ar e parece que ainda hoje os sinto no ar!
Lembro-me de uma gamela cheia de “broa” abafada por cobertores que se encontrava num quarto pequenito em cima de uma cama tendo este quarto uma clarabóia no tecto. Esta divisão dava para uma sala enorme onde se encontrava a mesa que albergava os 13 filhos. Aqui estava um quadro com uma foto de família onde estavam os meus bisavós com todos os filhos incluindo o meu avô Adelino.
Mas o que mais me fica na memória é a casa do forno. Era uma divisão especial onde existiam vários fornos tradicionais, eles próprios de vários tamanhos. Por cima destes estavam inúmeros paus sustentados por ganchos com um testo de alumínio por cima! Era o fumeiro. Recordo vezes que as minhas tias, Helena e Adelaide estavam junto com a empregada a encher a tripa natural com carne de porco temperada de onde começavam a ter forma os enchidos.
Junto à estrada principal tinha sido construída pelos meus tios avós uma casa característica dos anos ’60, estilo Estado Novo. No piso inferior possuía uma grande adega, com tanque, esmagador fixo, e dezenas de pipas e pipos de vários tamanhos. Esta casa ainda existe, desconhecendo no entanto se essa adega mantém as mesmas características.
Ai assisti desde muito novo à conhecida “matança do porco” como já referi, os utensílios, a “carqueja”, o sangue cozido, os “coiratos” assados! Ai assisti a uma quantidade de História sem que ainda percebe-se bem o que era de importante puder observar ao vivo essas mesmas histórias!
Não será possível nunca transmitir o que sinto quando lembro o “cheiro” da massa dos folares! Não será possível transmitir a lembrança da visita do “Senhor Padre”, dos senhores da Filarmónica que visitavam o meu tio! Das merendas com uma suculenta carne cozida! De um fogão de ferro que estava sempre a “criar” um novo sabor!
As histórias são muitas, e algumas perderam-se possivelmente no tempo! Mas algumas ficaram, ... deixem-me tentar contar uma ...
... certo dia que não sei precisar, miúdo claro está, entrei a correr na adega da casa do meu tio Fernando nos Cabecinhos, deixando bater com força a porta de madeira, ... e um sino (campainha) que se encontrava atrás desta ficou a telintar por segundos! Quando deixei de ouvir, já tinha subido e descido os degraus que davam acesso ao pátio e à casa do forno! Entrei, ... a minha tia Adelaide estava a “migar” couves numa tábua “talhada” de cortes, esta de tantos golpes quantos os pitos levaram os longo do tempo, transformando-se em galos no forno!
O meu tio Fernando estava sentado em cima de uma arca de madeira. Esta arca estava numa marquise de vidros pequeninos que reunia todas as divisões e dava acesso à sala grande.
A minha tia Helena fazia “filhoses” no fogão de gás, e a garrafa de vinho encontrava-se já na sala anexa onde se ia merendar.
O meu pai que vinha atrás de mim tinha chegado entretanto!
Não me consigo lembrar da conversa que o meu pai e o meu tio estavam a ter! Possivelmente falavam do tractor, da carrinha que não pegava, de alguma maquina que era preciso arranjar! Não sei, não me lembro! No entanto a conversa que ouvi a seguir ficou-me gravada até ao presente! Só passados muitos anos e já na Faculdade relacionei e percebi o que na realidade se estava a falar naquele dia.
- ... então tio não fique assim! (o meu pai para o meu tio por ele estar a “debitar” algumas lagrimas pelas faces)
- Beto (diminutivo de Alberto), ... quando me falam dele fico sempre assim!
- Então tio, vá lá, ... vá lá, ...
- Aproximei-me e perguntei então, tio o que foi ?
- O meu pai foi explicando que era, ... que foi um familiar que o tio teve, um homem importante, ... muito importante!
- Quem foi perguntei eu?
- Um grande Republicano, muito amigo de Poiares, que morava em Arganil!
Olhava para o meu tio e não percebia muito bem o que se estava a passar.
- Quando me lembro do que ele foi, ... só me apetece chorar! (dizia o meu tio deitando uma lagrima e esfregando a mão no rosto!)
...
Passados alguns anos numa aula de História na Faculdade de Letras o meu Professor Amadeu Carvalho Homem ao dar o Século XIX e o Movimento Republicano em Portugal, abordou Arganil, ... Pombeiro da Beira, e o nome de José Dias Ferreira!
Nesse instante, toda a conversa tida à mais de 20 anos em casa do meu tio Fernando Dias, veio-me à memória!
O homem de quem se falava naquela tarde, era o homem que mais tarde eu viria a comentar várias vezes na história local de Poiares, o homem que foi Ministro do Reino, que se vestiu de pastor e intercedeu em 1866 quando o concelho de Santo André de Poyares foi extinto! Homem ligado a Poiares, às Beiras e ao nosso país, ... um beirão de gema!

Pedro Santos