aboreira scriptorium

É pretensão deste espaço, ser um depósito de ideias, tónica de pensamentos do seu autor, sobre a actualidade em geral e com especial incidência em várias Culturas, no Turismo, no Património e na Gastronomia, em Vila Nova de Poiares, na Região das Beiras/ Portugal e no Mundo. Pedro Carvalho Santos, pensou-o ... e o fez ...

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Existo - creio no meu Deus.

quinta-feira, março 15, 2012

“Um ano se passou! – Pensamentos em África.”

Um ano se passou desde que cheguei pela segunda vez a África (Moçambique, cidade da Beira). Pouco me apeteceu escrever neste primeiro ano e só depois de alguns contactos com o teclado, surgiu novamente a ideia de “descarregar” caracteres, estes tocados com as pontas dos dedos num segundo tempo! Julgo que esse facto poderá ficar a dever-se a uma certa “pressão” a que fui sujeito nos últimos anos em Portugal! Explicará isso a atitude? É possível!
Mas parece que sinto neste momento novamente vontade de escrever. É bom, libertar os sentidos, deixa-me ser realmente quem sou e realizar-me também um pouco! Sobre o país onde me encontro é caso para parafrasear e repetir uma expressão que ouvi pela primeira vez em Moçambique: “Dizer o quê!”
É uma realidade diferente e eu já o sabendo tenho tentado apreender todos os dias algo de novo. Apesar de sentir que muitas das vezes sou eu que debito informação e que o que retenho em várias partes de matérias, pouco aprendo, mas vou tentando ver e adquirir novas experiências que julgo serem importantes na minha concepção de ver o mundo, ... mundo este em que vivo, para também melhor pode-lo servir.
Moçambique é um país fascinante, mas com contrastes abismais.
Desde pequeno, criança mesmo, ouvi falar de Moçambique. Lembro-me desses anos de “lembranças” de um cinzeiro de pau preto, que devido à sua cor e peso me remeteu para questionar a sua origem, tendo como resposta: “foi o pai que trouxe de Moçambique”. Cresci a ouvir o meu pai falar de uma tal “guerra” que não era dele, de uma guerra, de um tempo de ditadura, que embora eu tivesse nascido nela, de nada me lembro. O meu pai sempre foi muito crítico em relação à Guerra Colonial, vincando-me a sua ideia, que tinha sido algo que estava muito longe da sua anuência e entendimento. Tal como muitos obrigou-se a embarcar num tal “Niassa”. Tenho orgulho pelo seu caráter, pelo seu sentido humanístico, de pessoa humilde, amigo do seu amigo, incapaz de prejudicar, enfim um pai dos sete costados que nunca conseguirei igual em sentido puro e de humanismo. Este, sempre me disse que territórios deveriam ter sido entregues logo que reindivicados, era este o seu entendimento “claro que se deve entregar”, … “nós nem somos da mesma cor, não temos nada que estar lá se não nós querem lá”.
O facto não é importante e só tem a ver com as minhas recordações de infância.
Lourenço Marques, Nampula, Niassa, Cabo Delgado, Porto Amélia foram palavras que me afloraram desde criança. A palavra “respeito” com que fui educado para ter por todos os povos do mundo aliado ainda à formação e gosto que posteriormente tive, deu para realmente nutrir um sentimento estranho sobre África, nomeadamente Moçambique. Estranho porque se fui educado nesse contexto de África de um pós – 25 de abril de liberdade, respeito e amizade, também me custa e “dói” ver o que passa o povo Moçambicano, face ao que foi este “grande” país, nomeadamente um certo chauvinismo em relação ao meu país em detrimento de outros países aqui presentes.
Portugal é e sempre será o maior parceiro de Moçambique! Se não o for economicamente, o que até nem sempre interessa e também pela sua dimensão, sê-lo-á sempre em termos Históricos, Culturais e de Amizade, de Memórias, de História de procuras de Identidades, Herança e Construção Comum impossível de apagar, que não deve ser esquecida, escondida, omitida, depreciada, mal tratada, invertida, tendenciosa, culpabilizada.
A minha maior ligação a Moçambique deu-se quando casei. A minha mulher nasceu em Lourenço Marques, hoje Maputo, tendo vivido toda a sua família mais chegada nessa cidade apelidada de “feitiço” e por que nutro um especial gosto e carinho.
Desde cedo habituei-me a degustar comidas Moçambicanas e com temperos típicos deste país.
Em casas da família da conjugue, nutre-se ainda hoje o gosto pelo churrasco em espaço anexo à casa, frango assado e grelhados, “catembe” (vinho com coca – cola), piri – piri (”gindungo”), “chinffon de chocolate” e outros sabores que vim agora também degustar e comprovar em Moçambique.
A convite de um amigo vi experimentar um novo desafio.
Julgo que não terá sido só uma necessidade, mas várias. Foi esse gosto por África que me fez em Dezembro de 2008 ter aterrado pela primeira vez em Maputo, sentindo um Sol quente, astro rei diferente do meu, apesar de o mesmo.
África como tudo na vida, pode tocar mais ou menos cada pessoa, não tendo duvida no entanto que “toca” mesmo mais uns do que outros. Já o tenho dito, gosto do Sol, conseguindo estar “longos” minutos a contemplá-lo. Gosto do mar, da terra e do seu “cheiro”, gosto do peixe e das frutas, gosto das suas “gentes”, simples e humildes, gosto dos horários de trabalho, não sentindo o tempo passar, que foge como uma gazela assustada.
África é para ser sentida. África é para os mais fortes e nem sei se o sou! África é linda, única e Moçambique uma terra colorida, quente, uma terra de futuro, que gostaria de ver tornado num país sustentado e equilibrado no futuro.
Não consigo descrever (nem quero) o que não gosto, ou gosto menos. Prefiro não dizer o sentimento “vazio” que me dá os desequilíbrios sociais e a crueldade Humana, da Natureza, do Ecossistema, porventura apenas do próprio Homem.
Também me recuso a falar do individualismo, do egoísmo, do pensamento único, da ganância, do abandono ou falta de sentimentos solidários de Homem. Recuso-me a falar da Selva, nomeadamente da “Selva Urbana” ou “Selva Humana”, que existindo em todo o lado aqui consegue “doer” mais pela falta dessa sociedade um pouco mais justa e solidária.
Entendo que o povo africano “sofre”! Sofreu no passado, sofre no presente e não consigo vislumbrar o fim desse sofrimento.
Claro que, como em todo o lado, quem está bem de vida é crítico em relação à crítica, desde que vá tendo “o seu queijo” teimando em não o partilhar com os seus “irmãos”!
Muito tenho lido acerca de África, nomeadamente da África Austral. Países como Moçambique, África do Sul, Quênia, Angola, Namíbia, Sudão, Zimbábue, Malai, assim como ilhas, Madagáscar, Seychelles e outros destinos serão razão pelas minhas leituras e histórias relatadas, motivo de visita apareça a oportunidade.
África sente-se, África provoca um despertar de sentimentos. Sinto, no entanto sempre e constantemente “o perigo no ar”!
África também é perigosa e como! Faz parte do seu “temperamento” que, como o tempo, tanto raia sol como de seguida troveja e relampeja. É inconstante e só o mais “forte”, decidido e astuto conseguem “vingar”! Costumo dizer que “uma dose de juízo em África não chega, é preciso mais”. Continuo a pensar dessa forma. Os perigos, as tentações, as armadilhas são constantes e correntes.
É necessário ter a força de contrariar. É necessário ser cauteloso. É necessário também ter alguma sorte, mas, … acima de tudo, … fazer por ela e não facilitar. É, no entanto complicado!
Para se estar em África vindo de outro continente, julgo que é necessário ainda e acima de tudo ser humilde, gostar de aprender sobre estas Culturas e estes Povos, ter gosto por ajudar o próximo e logicamente “Amar África”. Adotar uma postura de dignidade e respeito, não assumindo afrontas desnecessárias.
Assim poderemos contribuir assim para um Mundo realmente melhor numa tentativa incessante e numa procura de justiça e equidade, que embora difícil de alcançar pode, no entanto ser parcela de paz no nosso coração e consciência individual. Assumida ainda como coletiva de melhoria global.
Por último gosto da maneira como entendo e vejo África, gosto das suas Tradições, da sua Cultura e de um sentimento maternal, que pressinto cada dia que passa.
Obrigado pela experiência única de conviver no seio destas suas sociedades e atores reais e verdadeiros.
Não sei quanto tempo aqui ainda estarei, mas é realmente uma experiência única.

Pedro Carvalho Santos
Beira/MZ
Fevereiro de 2012