aboreira scriptorium

É pretensão deste espaço, ser um depósito de ideias, tónica de pensamentos do seu autor, sobre a actualidade em geral e com especial incidência em várias Culturas, no Turismo, no Património e na Gastronomia, em Vila Nova de Poiares, na Região das Beiras/ Portugal e no Mundo. Pedro Carvalho Santos, pensou-o ... e o fez ...

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Localização: Vila Nova de Poiares, Coimbra, Portugal

Existo - creio no meu Deus.

sábado, março 17, 2012

Aspectos da “Casa de Lavoura” de Poiares

Já por algumas vezes se debruçamos sobre a tipologia da “Casa de Lavrador Abastado”, “puxando ao século XIX” no actual concelho de Vila Nova de Poiares.
Hoje vamos dar mais uma achega numa outra perspectiva deste importante Património que sendo importante na construção da Memória urge preservar a bem da futura Analise Paisagística construída do concelho assim como das “vivências e saberes” que estas casas possuíam.
Podemos dizer que um pouco por todo o concelho encontramos este tipo de casas, geralmente junto às estradas. Foram construídas na segunda metade do século XIX e inicio do século XX, e vulgarmente figuram dois níveis de leitura; no primeiro geralmente existiam as lojas. Estas devido a estarem junto a uma estrada eram aproveitadas para o comercio (daí o numero de portas, três ou mais), podiam no entanto também tornar-se lojas de produtos agrícolas. Possuíam os (palanques) para batatas por exemplo, as cebolas penduradas (resmas) nas traves, potes e bilhas de azeite (em louça vermelha/ ou em chapa de ferro) por vezes em cima de um estrado de madeira ou não/ caso no chão de terra, adega de vinho e outros como salgadeira, etc. Aqui podiam também estar no chão ou meio enterrados para melhor “esfriar” os caçoilos de Chanfana, que depois de uma “boa” dose de gordura por cima da carne, conservava-a por o tempo pretendido, sendo consumida em dias de festividades.
No segundo nível a casa propriamente dita. Os quartos, de pequena dimensão face aos nossos hábitos de hoje, sala de visitas, / a sala “do padre”, em alguns imóveis por vezes uma sala tipo saleta de menores dimensões onde se costurava e tratava de alguma roupa, a cozinha, onde se pode destacar os louceiros, mesa, bancas de cozinha, arca de madeira, mosqueiros e a grande chaminé onde por norma se podia andar por baixo desta e se cozinhava a lenha, colocando as famosas panelas de três pernas, assim como outros utensílios. Desta chaminé interior saía a grande chaminé exterior em forma rectangular tão característica destas casas que Poiares orgulhosamente possui no seu Património Concelhio.
Geralmente este nível não tinha instalações sanitárias. Se tinham eram diminutas e só mais tarde a partir dos anos ‘40 e ‘50 do século passado se começa a adaptar algum espaço para esse efeito. Alargamentos da própria construção, utilização de alguma divisão já construída ou aproveitamento de parte de alguma varanda para o efeito.
Como o nosso estimado leitor sabe concerteza a “casa de banho” ou local onde se defecava era geralmente numa “latrina” em madeira ou em alvenaria, no quintal ou seja um pouco afastado da casa. Dentro da casa existiam os “penicos” nos quartos, que depois de utilizados eram esvaziados por vezes para a terra ou pátio, servindo também de adubo a hortas agrícolas/ caso de culturas como o “cebolo” e outros. Curioso era também colocar cabelo humano que iam buscar ao barbeiro ou cabeleireira para afugentar os animais, que sentido o cheiro humano afugentavam-se não comendo as culturas.
Sabendo que é algo que geralmente não se fala ou comenta, gostava de elucidar o leitor também para o facto de quando se defecava, no lugar de “papel higiénico” como hoje conhecemos e porventura não estamos a ver como seria (o propósito) sem este, ao tempo dos nossos antepassados utilizava-se para o mesmo efeito o carolo (a espiga de milho já debulhada) que pela sua forma arredondada e tipo de consistência servia que “nem uma luva ao propósito”!
As casas por vezes seguiam a própria estrada, ou seja, eram construídas ao longo das estradas e seguiam-nas mesmo nas curvas, de que são exemplos imóveis na Risca Silva e Santa Maria.
Este propósito pode-se explicar também devido ao aproveitamento da terra agrícola, além do aspecto comercial de que já falamos. Em tempos mais antigos não tinha cabimento fazer a casa no meio do terreno agrícola quando este nesta altura era valorizado para o sustento próprio “da casa” e de negócio. Assim a casa era feita num termo/ limite do terreno com o objectivo de privilegiar unificando o espaço a agricultar.
Característica realmente importante neste tipo de imóveis é o Pátio. A Casa de Lavrador abastado Poiarense possui um pátio fechado, numa reminiscência que podemos retirar em último da Vila Romana. A Casa é fechada para si própria, para dentro. As casas Gandaresas por exemplo possuem também este tipo de pátio em tudo muito semelhante. Consideramos também os pátios Árabes por exemplo onde também a casa se fecha para um espaço interior.
Esta Casa Poiarense vira-se ao Pátio por uma escada geralmente de uma varanda, varandim, tipo marquise (envidraçada) ou directo de uma divisão que pode ser o próprio corredor do primeiro andar/ segundo nível.
Para este pátio dá uma porta das lojas do rés – do – chão/ primeiro nível, que serve para toda a “lida” dos produtos agrícolas guardados na loja.
Este pátio geralmente “forrado” a “mato” no chão é onde desembocam todos os detritos. Onde os animais são guardados, visto por vezes poderem estar também no primeiro nível da casa ou em currais anexos. O pátio possui também uma vasta zona de telheiro onde se executam inúmeras tarefas. Aqui variavam de casa para casa. Geralmente possuíam um forno a lenha tradicional ou vários fornos de diferentes dimensões. Aqui também devido as intempéries podiam fazer-se trabalhos como “rachar” lenha, descamisar o milho, debulhar feijão, assim como outros trabalhos agrícolas.
No nosso entender não á espaço físico que memorize melhor todas as tradições do concelho de Vila Nova de Poiares do que este tipo de imóvel construído.
Este tipo de imóvel consegue abarcar todo o tipo de actividades rurais desenvolvidas ao longo do século XIX, século em que Poiares nasceu e as primeiras seis a sete décadas do século XX, visto que após o dia 25 de Abril de ’74 ter havido uma forte mudança de mentalidade e comportamentos na sociedade / também Poiarense.
A Chanfana, prato local e regional que mereceu na última década uma forte aposta Turística e Gastronómica, nomeadamente como imagem de marca do concelho está assim directamente associada a este espaço, não só porque era neste anexo à casa, que se confeccionava a Chanfana, mas porque todo o “espectáculo” rodeava-a neste mesmo espaço físico. As cabras nasciam, cresciam, criavam-se e também aqui eram abatidas, o vinho que saía na porta que das lojas vinha da adega, os caçoilos que eram guardados nas arcas e armários na “cozinha exterior” junto ao forno/s apelidados de “fornos da broa” onde esta apurava.
Numa altura em que ainda não se viam utensílios em plástico ou automóveis, podemos idealizar uma casa, um espaço anexo, o pátio, em pedra, carros de bois, feno para aos animais, tábua de matar o porco, galináceos e outros bichos de capoeira a andar de um lado para o outro, as cabras e o bode, o cão, os arados e charruas, a grade de gradar, por vezes o burro ou mula, os currais dos coelhos, a mesa onde estava o copo a garrafa ou garrafão de “boa pinga” e uma broa com o pote de azeitonas curtidas ao lado.
- Vai um copo amigo? É pinga da boa! Da minha colheita.


Pedro Carvalho Santos
MZ/Beira 2012