Contributos para a História Local de Vila Nova de Poiares V
Nascido no século em que a Revolução Industrial teve o seu grande impulso, o concelho de Poiares desde cedo desenvolveu essa importante vertente económica. Considerado por muitos como um concelho eminentemente agrícola, não podemos deixar de lhe atribuir um carácter industrial. Iremos abordar ao longo desta crónica, bem como nas duas que se seguirão, as actividades transformadoras que existiram e existem no concelho de Vila Nova de Poiares, particularmente as actividades industriais.
Se considerarmos Indústria como sendo uma actividade transformadora de matérias-primas num produto final destinado ao mercado, no concelho de Poiares foram implantadas diversas actividades que se inserem neste domínio, como o provam vários documentos. Como é óbvio, o processo produtivo no seu início era completamente distinto do que conhecemos na actualidade. A própria produção era em quantidades francamente inferiores, não se atingindo a produção em massa dos nossos dias. Felizmente encontram-se ainda preservados algumas destas indústrias mais tradicionais que nos permitem recuar a tempos idos.
Os moinhos de vento são documentos vivos dessa actividade. Fonte de receitas para o nosso concelho, sabemos que a moagem de cereais se desenvolveu a par com os concelhos vizinhos, particularmente com Penacova. Os produtos transformados vendiam-se não só na cidade de Coimbra, mas em todo o Baixo Mondego. Situados em áreas elevadas por forma a aproveitar a força do vento, os moinhos foram desaparecendo com a brisa dos tempos. No alto da Serra do Carvalho, nos Terreiros, encontramos vários moinhos de vento algo degradados, tendo a Associação de Desenvolvimento Integrado de Poiares restaurado in sito um deles, encontrando-se à disposição dos visitantes.
Relacionado ainda com a moagem dos cereais, as azenhas assumiram também um importante papel na vida económica do concelho. As águas do rio Alva serviram de força para mover as rodas das azenhas. Ainda hoje podemos observar no lugar da Ponte de Mucela, sito na Moenda, uma azenha em funcionamento que nos mostra de um modo mais tradicional como podemos obter a farinha dos diversos cereais.
A existência de fornos de cal no concelho também foi relevante. O concelho de Penacova, bem como o de Poiares foram grandes centros de produção de cal, elemento de grande procura numa época em que eram inexistentes as indústrias químicas da actualidade. Podemos salientar a importante produção por parte dos fornos de cal propriedade da Casa dos Moinhos, um dos quais podemos ainda hoje observar no Parque das Merendas, no lugar das Medas.
A produção de cera assumiu também um importante papel na economia concelhia. A fábrica de cera, ou lagar da cera, permitia as trocas comerciais com concelhos vizinhos e outros mais distantes. Na Casa dos Moinhos encontramos um lagar de cera no qual, apesar da sua degradação, podemos constar os vários passos ou etapas que eram dados para a produção de cera.
Num concelho em que a agricultura se assume como uma actividade de suma importância, não nos podemos esquecer que alguns dos seus produtos se podem dirigir a um processo produtivo distinto. Poiares apresentou uma importante actividade vinícola que não pode deixar de nos merecer atenção, particularmente em virtude do peso assumido pelas suas adegas. Através de diversas fontes históricas analisadas, tomamos conhecimento de uma polémica que, no segundo quartel do século XX, girava em torno da qualidade do nosso vinho. Se à época havia quem o achasse pobre e sem grau, de pouca qualidade, como é a opinião de Pinho Leal na sua obra «Portugal Antigo e Moderno», a verdade é que o vinho de Poiares chegou a ganhar um prémio de qualidade no Brasil. Os alambiques proliferavam por todo o concelho e se o nosso leitor pensar que eram apenas economias pequenas e familiares, está equivocado, provando-o estão as adegas de grandes casas burguesas e de quintas grandiosas deste concelho. Caso evidente é a adega construída nos primeiros anos de novecentos, no denominado Torrel de Baixo, propriedade do Dr. António Dias Ferrão Castelo Branco, as suas dimensões e o cuidado com que se construiu o edifício só poderia evidenciar uma grande produção.
O azeite é sem dúvida um dos produtos cujo progresso foi dos mais peculiares e representativos do concelho. Na realidade Poiares teve vários lagares de azeite, actividade que sem dúvida trouxe um desenvolvimento económico e social fortíssimo ao concelho que permaneceu até aos nossos dias. A comercialização de produtos oleaginosos foi, desde a fundação do concelho, factor primordial no equilíbrio da débil economia agrícola do concelho.
Para além de todas estas actividades, podemos salientar outras que se assumiram como importantes para o desenvolvimento económico e social do concelho. É o caso da produção de mós, com valor acrescido no concelho e região. A produção de foguetes e de fogo de artifício, foi prática corrente na primeira metade do século XX, produção essa que ultrapassava os limites do concelho, bem como os concelhos limítrofes, alargando-se a nível nacional e às colónias ultramarinas.
Na nossa próxima crónica, continuaremos a debruçarmo-nos sobre as actividades transformadoras do concelho de Poiares, desta feita procurando conhecer melhor actividades como a cerâmica, a serração e o artesanato.
Conforme o prometido, vimos dar continuidade à temática iniciada na última crónica.
No nosso entender, para além das actividades apontadas anteriormente (moagem de cereais, produção de cal, de cera, pirotecnia, azeite, vinho, etc.), há outras que pela sua dimensão e importância comercial fazem com que nos debrucemos um pouco mais sobre elas: o artesanato, a serração e a cerâmica.
O artesanato foi, sem sombra de dúvida, de uma importância extrema no concelho, particularmente na produção dos chamados «palitos de dentes», basta pensarmos no número de famílias que dependiam desta actividade. Segundo as nossas fontes escritas, em 1949 os exportadores de palitos dos concelhos de Poiares e Penacova, faziam uma exposição aos respectivos presidentes de Câmara, a fim de estes poderem sensibilizar os seus superiores relativamente à importância desta produção. Coube a estes Presidentes dar conhecimento ao Governo Civil de Coimbra da importância económica desta produção e consequente exportação. Dada a saturação do mercado nacional, o Brasil assumia-se como um importante consumidor deste produto, seria fundamental confirmá-lo.
No seguimento de um ofício emanado da Coordenação Económica do Ministério da Economia, nos finais de 1951, o Presidente da Câmara de Poiares toma conhecimento que a Embaixada Portuguesa no Rio de Janeiro, na lista de produtos a exportar de Portugal, contemplava os palitos. Face a tão boa notícia a Câmara de imediato informou os exportadores de palitos, Sr. Celestino Lopes Quaresma e União Exportadora de Chelo Limitada. No entanto 15 dias depois ocorre um retrocesso neste processo, na medida em que o Governo Brasileiro não veio a emitir as licenças que permitiam a importação dos palitos.
Durante várias décadas os palitos foram sem dúvida o cartão de visita em certames fora do concelho. Um exemplo disso é o facto de em 1956 a Câmara ter decidido enviar duas paliteiras a fim de representar o concelho na Exposição Agrícola, pela inauguração oficial do novo edifício do Palácio de Cristal.
Dentro do que hoje apelidamos de artesanato, para além dos palitos, a produção de cestas e cestos, de mantas, de produtos de barro, particularmente os barros pretos, e os objectos de madeira, entre outros, assumiram também grande importância económica no concelho.
Actividade de grande importância para o concelho, a transformação de madeira, perdurou até hoje. Concelho com forte cunho florestal, Poiares desde cedo teve indústrias ligadas a esta actividade, particularmente relacionadas com a madeira característica do concelho – o pinho (daí o pinheiro ser um dos elementos simbólicos do brasão de Poiares).
Das três actividades mencionadas, resta-nos abordar as cerâmicas. Embora as serrações assumissem já algum do carácter industrial que hoje facilmente identificamos, são as cerâmicas que melhor caracterizam essa actividade. As cerâmicas foram das primeiras indústrias a necessitar de um espaço mais alargado para a sua instalação, dada a dimensão das suas máquinas e o número de operários que empregavam, bem como são aquelas nas quais mais facilmente apontamos os símbolos da Revolução Industrial – as chaminés. A Cerâmica Santa Rita, de que ainda hoje podemos observar as suas ruínas, e a Ceramiguel, uma indústria de cerâmica desactivada há poucos anos, são um bom exemplo disso.
Durante a década de 50 sabemos da intenção de fabricar artigos de grés e de fazer exportações para o Brasil por parte da Cerâmica Santa Rita. No que diz respeito à Ceramiguel, esta esteve essencialmente vocacionada para a construção civil.
Apesar da importância que todos estes sectores assumiram no desenvolvimento económico e social do concelho, a actividade industrial manteve-se pouco activa e sem grandes alterações até meados da década de setenta deste século. É pelo menos esta a ideia que nos fica da análise da Monografia (1978) de Manuel Leal Júnior, para quem «...Poiares não dispõe da indústria necessária para o seu desenvolvimento...». Segundo este autor, as várias actividades industriais, palitos, cestos, canastras, assim como louça de barro, serração, cerâmica, que assumiram um certo vulto, acabaram no entanto por não acompanhar a evolução macro-económica do país. Manuel Leal Júnior, apesar deste cenário, não tinha uma visão futura de todo negativista, na sua opinião «...é de prever que dentro em pouco, com a construção de casas em bom ritmo, Poiares se desenvolva principalmente na parte industrial...». Do que conhecemos hoje, pensamos que foi realmente uma perspicaz previsão! Terá contribuído para isso o vento de mudança de ’74.
Serão estes ventos de mudança que irão nortear a terceira e última parte desta crónica alargada acerca da actividade industrial no concelho de Poiares
Terminamos no último mês analisando a perspectiva de Manuel Leal Júnior relativamente à actividade industrial no concelho de Poiares.
Estas considerações por parte de Manuel Leal Júnior pouco favoráveis a esta actividade são fáceis de perceber se tivermos em conta a evolução global do país. Apesar de a nossa análise se encontrar restringida a um espaço geográfico bem delimitado, não nos podemos esquecer de que este faz parte de um espaço muito mais vasto – Portugal. Como tal, todo o processo de industrialização do concelho se encontra estruturado segundo a industrialização do próprio país. Devido a diversas condicionantes o nosso país entrou muito tardiamente no processo de industrialização. Enquanto já no século XIX a Inglaterra estar em pleno período da Revolução Industrial, Portugal encontrava-se fora deste processo, de tal modo que na viragem do século XX, ainda não tinha entrado nos meandros da industrialização.
É por volta dos anos 30, século XX, em pleno Estado Novo, que se começam a dar os primeiros passos em direcção à industrialização, ficando todo este processo sob tutela do Estado. Até aos primeiros anos da década de 70 verificou-se uma crescente concentração e centralização do processo produtivo, ou seja, um crescimento acentuado das grandes empresas, as quais se concentram nas duas grandes cidades do país – Lisboa e Porto. O início da década de 70 começa com sucessivas crises petrolíferas e consequentes crises económicas, advindo daí uma alteração no modo de encarar o desenvolvimento económico e social. Começam então a surgir novas localizações industriais, reflexo de um processo de descentralização e expansão industrial.
Na década de 80 começa a assumir uma grande importância o designado crescimento industrial difuso, que caracteriza grande parte do território nacional, particularmente o Norte e Centro Litoral. Este processo de crescimento industrial é, em geral, caracterizado pela predominância de Pequenas e Médias Empresas, difundidas em pequenos aglomerados populacionais. Este “espalhar” das indústrias por diferentes áreas do país é reflexo do papel dinâmico das Autarquias, ou das Associações Empresariais, ou ainda fruto da criação governamental de novas e importantes infra-estruturas que favorecem essas áreas, nomeadamente as redes viárias. Como é de conhecimento de todos, a adesão de Portugal à actual União Europeia em 1986, veio dar um novo alento ao desenvolvimento do país.
É neste período que podemos enquadrar o volte-face no processo de industrialização do concelho de Poiares. Aproveitando uma política de descentralização industrial, centrada na criação de Pólos ou Zonas Industriais, bem como todos os fundos europeus para o desenvolvimento económico, e particularmente industrial, a Autarquia de Poiares conseguiu dar o impulso fundamental para o desenvolvimento industrial do concelho, com todos os benefícios económicos e sociais que daí pudessem advir.
Criada na década de 80, a Zona Industrial de Poiares, fruto da vontade da Autarquia, bem como de outros agentes económicos, é já hoje uma realidade vitoriosa. O desejo do seu alargamento, que em breve será concretizado, ilustra bem a importância desta implantação industrial, factor de riqueza nunca antes experimentado neste concelho. Seguindo as orientações emanadas por instâncias superiores, a Zona Industrial apresenta-se como um todo, homogéneo, geométrico e proporcional. As infra-estruturas existentes, as facilidades concedidas a novos empresários, tornam-na sem dúvida um importante pólo de atracção para a implantação de novas industrias e empresas diversas.
Inicialmente apresentado um número restrito de empresas, actualmente são diversos os sectores industriais implantados nesta Zona Industrial. Indústrias de mármores, cerâmica, madeiras, ferragens, confecções, luvas, móveis, etc. Encontramos também a oferta de alguns serviços (relacionados com o sector secundário), desde oficinas especializadas nas mais variadas vertentes, mecânica, pintura, recauchutagem, bate-chapas, electricistas. Bem como os mais variados armazéns comercias, nomeadamente de construção civil, entre outros.
Permitindo uma oferta mais alargada por parte desta Zona Industrial e complementando as actividades do sector secundário, estão também presentes alguns importantes elementos de carácter recreativo, que contribuem para o bom nome do concelho. Na área envolvente, a nascente e a norte, encontramos algumas pistas desportivas, como a de radio-modelismo, auto-cross, Kart-cross e o esplêndido Kartódromo. Futuramente esta área será complementada com outros investimentos desportivos e recreativos.
Digna do orgulho de qualquer Poiarense, a sua Zona Industrial é um pólo de atracção de juventude e de criação de empregos, um elemento de fixação de população e de elevação do nível de vida das populações locais. Como tal deverá ser encarada por todos como o ex-libris da actual economia do concelho. A Zona Industrial de Poiares não só é uma aposta no futuro, mas uma aposta ganha no presente, assumindo-se como uma marca forte e definida do século XX.
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