Simplesmente “comida”! Meio século ou mais para trás!
Simplesmente “comida”! Meio século ou mais para trás!
Por vezes e na falta de documentos que o comprovem ou vestígios físicos, podemos imaginar “cenários” que poderão ter imperfeições, mas que também poderão trazer tempero ao prato gastronómico que estamos a cozinhar!
Hoje no concelho de Vila Nova de Poiares é usual ir ao restaurante! Mas nem sempre assim foi.
Temos que entender a realidade factual da história quando estudamos estes Territórios Poyarenses que não tiveram tradição municipalista, concelhia e que apenas surge como concelho à menos de dois séculos.
Importar idéias e tradições exteriores ao concelho de Poiares é e será sempre perigoso, factor de descaracterização deste (e descaracterizando do seu passado já ele está que chegue).
É necessário ter Identidade, é necessário ser genuíno e autentico, ai estará a força de um Povo, não com “invenções” despropositadas numa ânsia de querer o que nunca se teve e, ... cair no ridículo! Falo nisto porque assisti por várias vezes vontades de adulterar e inventar o que não se teve e não se tem, mas porque os outros tinham, então também se tinha que ter! É necessário trilhar caminhos próprios e não a plagiar e ir a “reboque” de quais queres outros, de quais queres modas.
Assim não vamos falar do que não temos nem nunca tivemos, falemos sim com a humildade certa, das nossas tradições motivo de orgulho da nossa História Local e Regional.
Em Poiares é tradição “o pão de cabeça” ou “pão de testa”, “boula de sardinha e de carne”/ ou do que havia ao tempo, enchidos por exemplo. Estas boulas eram feitas com os restos de massa que sobravam na gamela, em dias de cozedura.
As broas, embrulhavam-se em panos, na arca do milho, longe dos ratos e outros bichos que tais, peçonhentos.
No dia de Feira, sobre uma fatia de broa, traçada de milho e trigo (pouco que era dos ricos) e algum pedaço de centeio, têm uma sardinha assada, quando também não era metade para o do lado. As sardinhas tinham viajado de carro de bois, à cabeça e muito posteriormente de “camioneta”/autocarro que ainda bem me lembro (anos ’70).
De sopas podemos falar em couve esfarrapada, a Galega, com feijão louro, massa grossa eventualmente com fio de azeite (genuíno de Portugal)/ Mesa Mediterrânica e que o concelho nas suas casas orgulhosamente tinha em potes e talhas.
A sopa levava carne, pouca, que era rara e só em algumas casas mais ricas ou em que os donos negociavam gado, lá dava um sabor de satisfação. No caldo um copo de vinho tinto, que dava outra “alma”!
De sopas falamos do caldo verde, caldo de carnes, “caldo dos doentes”! Couve, Porqueira, alta, Galega/ Serrana, mais rica ou mais pobre conforme o recurso.
Nos peixes, os do rio e eram vários os rios!
Mondego, Alva e Ceira, traziam “peixe do rio”. No tempo mais antigo subia ajudado por carros de bois pela estrada de Louredo! Frito e em molho de escabeche, fazia mal, mas como tudo na vida sabia bem! Conservava-se neste molho o tempo desejado. Os menores fritos e bem fritos comiam-se inteiros, pois a fritura havia eliminado as espinhas que agora, não faziam qualquer impressão gustativa. Nos maiores lá saia uma espinha maior para o lado por ser mais grossa.
Torresmos no nosso concelho são mais falados e divulgados, idéia diferente de outros concelhos quando se fala de Sarrabulho. Negalhos também já explorados, petisco ou prato de grande mestria e asseio.
A Chanfana, Lampantanas e outros têm lugar cativo em outros dizeres, aqui não se toca agora, fica mais à frente para terminar.
Caçadores também existiram e ainda se crê que por ai haja. Coelho bravo, fica Coelho á Caçador, com cebola, azeite, colorau, louro, alhos, marinando com vinho tinto de preferência que seja bom!
E os doces, filhoses “levadas”, abóbora menina, fermento e farinha de trigo sem açúcar, mel só se for casa disso!
Tradição de Natal! Sim porque bolo rei não havia na generalidade das casas Poiarenses. Humildemente se fala, mas com verdade, bolo rei, não!
Folar, sim esse é tradição poiarense, tal como nos concelhos vizinhos, que com Grandes Mosteiros e Conventos tinham que dar “sumiço” aos ovos que recebiam. Não tem ovo em cima. Mas acrescentemos que quando bem feito é fofo e delicioso.
Tigeladas são dúbias, talvez numa casa mais rica, importado do vizinho concelho da Lousã, ou Arganil, talvez Coimbra.
Aqui nas casas mais ricas fazia-se sim o Pão de ló, isso nas casas mais ricas, porque na generalidade “ta quieto” nem pensar!
Lógico que estamos a falar num tempo antigo à época, onde o leitor de hoje se puderá questionar! Mas procure nas aldeias poiarenses, nas anciãs e comprove que a realidade era diferente da que hoje vivemos e supomos, à Tradições fundamentadas e Invenções criadas.
Alguém por quem tenho consideração dizia-me à uns anos: “Não respeitam a realidade, querem deturpar a verdade, querem ser grandes e não entendem que o valor desta terra está na humildade!” Palavras sábias de alguém com cerca de 60 anos acompanhada pela mãe octogenária, que sempre gostei de ouvir e muito aprender!
Aliás sempre me rodeie de pessoas que considerei Memórias Vivas do Concelho. Hoje algumas infelizmente não se encontram entre nós, perda irreparável, conversas que se perderam porque nunca fora possível ouvir!
Para terminar este percurso pensado e escrito como de conversas pudéssemos falar, a Chanfana, pelo prato e pelo investimento.
A Chanfana em Poiares, diga-se na Vila de Poiares, recuando várias décadas, servia-se em “tascas”, “cafés”, estabelecimentos que nada tem a ver com a idéia que hoje temos de Restaurante. Aliás não havia dinheiro para restaurantes, para “comer fora”.
Havia feira, essa que já se sabe e conhece no centro de Poiares. Sim nessa rua ladeada de prédios, primeiro de rés-do-chão, depois de primeiro andar e depois completamente adulterado do seu nascimento Oitocentista. Digo isto porque presentemente é um emaranhado de estilos confusos, fruto de falta de planeamento a partir dos anos ’60 até aos dias de hoje e que duvido que alguém sinta alguma proporcionalidade e beleza Arquitetônica seja ao nível de edifícios, seja em termos de Arquitetura Urbanística.
Chanfana vendia-se, muita, com broa, na “Laurinda do Silvano”, onde hoje é a loja do Sr. Elíseo dos Panos, no “Chico da Cabine”, no antigo Mercado (hoje talvez o local da porta do restaurante “O Confrade”). Vendia-se Chanfana, na “Júlia do Cano” (hoje café do fundo da Vila), vendia-se também no “Quim da Peça” (Café do Soares), no “Tito” (onde era a loja do Sr.Valdemar Carvalho/ Credito Agrícola), Vendia-se Chanfana também no “Smith” (hoje CGD), na Sra. Mariquinha/ Marquinha” (Niltinha), no “João da Lata” (Cantinho da Ladeira), no “Medo” (Pensão Central), na “Adelina Lobo” (lobos), hoje Poiarescolor, no “Eduardo do fundo da ladeira” (Fundo da Vila) e possivelmente em outros sítios que tais, menos em restaurantes como se compreende!
Para mim falar de Poiares e na sua História é sempre uma descoberta com certezas e incertezas, com perfeições e imperfeições, mas escrevamos, falemos, porque grande parte da lacuna deste concelho tem sido ninguém escrever, ninguém falar, ninguém opinar, mal ou bem, enfim nada se dizer!
Pedro Carvalho Santos
Beira/MZ 2012
<< Home